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CULPA MATERNA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
- 24 de janeiro de 2017
- Postado por Tania
- Categoria: Artigos
Por: Emmanuel Miguel
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CULPA MATERNA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Talvez este seja um dos temas mais complexos e delicados para se abordar. Muitas de vocês já ouviram, leram e conversaram com pediatras, psiquiatras, psicólogos, analistas sobre ele e existem diferentes explicações, discussões a respeito da culpa materna. Mesmo assim, espero poder ajudar as atuais e futuras mães a lidarem melhor com este sentimento tão doloroso. E informação nunca é demais.
HOMEM X MULHER
O primeiro ponto que eu vou abordar na culpa materna do mundo contemporâneo é a comparação entre homem e mulher. Para as pessoas que hoje estão com 70, 80 anos a comparação entre gêneros era menor. O homem dominava a casa, era o provedor financeiro e à mulher cabia, apenas, cuidar da família e das questões domésticas. O mundo foi mudando e, com ele, foi surgindo o desejo da mulher por condições iguais ao homem em todos os aspectos, inclusive na parte financeira. Hoje a gente tem uma competitividade da mulher com o homem, e mais ainda, de uma mulher com um homem. Mas é claro que também vemos na clínica o inverso. Principalmente em casos que o homem perde seu emprego e acaba se vendo não mais como o provedor da casa, mas como alguém que tem que ajudar nos seus afazeres. A culpa da maternidade tem origem, em parte, nessa competitividade. A mulher quer ser igual ao homem. Mas quando o filho nasce, a igualdade conquistada diminui e as diferenças aumentam. Ela está impedida de sair de casa (algo que custou tanta luta e esforço) e, aí, toda a idealização da maternidade, cultivada ao longo da gestação, começa a vir por água a baixo, porque entra em conflito com seus desejos de mulher independente. Esse é o primeiro ponto que gostaria que você observasse: durante a maternidade, a mulher muda muito, tanto em relação a si mesma, quanto na sua eterna comparação com o homem. Podemos aprofundar ainda um pouco mais: a gestação é um momento transformador da mulher, e muitas a sentem como algo fora do comum, prazeroso, que o homem não consegue sentir e nem imaginar, afinal, como é ter um filho dentro dele. A mulher sente-se superior ao homem. Quando o bebê chega, a superioridade vai embora e começam a aparecer os primeiros sinais dessa culpa tão recheada de conflitos. “Será que eu não deveria estar sentindo isso?” “Será que eu deveria estar sentindo um amor incondicional por esse filho?” “Quem sou eu após essa transformação?” “Será que eu serei uma boa mãe?” Na realidade não dá pra saber. E o bebê é um indivíduo, e ainda não sabemos como será o seu comportamento: se vai chorar muito ou não, se vai mamar, dormir, ou qualquer outra expectativa que colocamos em cima dele.
CONTO DE FADAS
Neste momento cheio de dúvidas, torna-se possível, para a mulher, conseguir vislumbrar o famoso conto de fadas que a sociedade roteirizou e encenou para ela desde pequena. Os filmes mostram as mulheres ótimas após o parto. Revistas dizem que a maternidade é a coisa mais maravilhosa e novelas afirmam que todos estarão felizes para sempre. Você, mãe, sabe e sente na pele que não é verdade. E quando olha para aquele pequenino ser, um sentimento estranho, uma sensação esquisita toma conta de si, e pensa consigo: “eu não estou tão feliz assim na minha vida. Aquilo tudo que eu imaginava não está acontecendo como me contaram que aconteceria”. A depressão pós-parto é um pouco disso. Inconscientemente, sem verbalizar em palavras (porque entraria em conflito com a idealização do sentimento de maternidade) seus sentimentos estão dizendo: será que de fato eu gostaria de tê-lo? Percebe o quanto este ponto é importante para a formação da culpa?
É PECADO EU NÃO QUERER ESTE FILHO?
O velho conceito de pecado nos acompanha desde crianças. Não quero entrar na questão religiosa, já que cada um tem a sua, mas podemos concordar que fomos criados com essa ideia de que algumas coisas que fazemos e pensamos são pecado e outras não. Assombrados por este princípio moral, passamos a temer nossos próprios sentimentos, caso eles se aproximem da linha do pecado. Por exemplo, imaginávamos uma criança de um jeito e ela vem de outro (boa parte das vezes, exatamente do jeito que nos irrita). ‘’Será que é pecado não amar este ser?’’ ‘’Será que sou uma mãe má por isso?’’ Sem percebermos, vamos nos arrependendo cada vez que temos estes pensamentos e sentimentos. Isso vai dando forma e agravando a bendita culpa materna. Todos nós idealizamos coisas, relacionamentos, famílias. Com filho não poderia ser diferente: temos nossa expectativa de como ele virá, como deverá ser. Porém, quando nasce, é bem diferente da idealização do filho perfeito. E à medida que ele não confirma o que eu imaginava, conforme me foi vendido pelas minhas próprias idealizações, é possível que eu tenha sentimentos e pensamentos que são muito humanos, mas que não são aceitáveis pela sociedade. Que são pecado.
JUIZ: SOCIEDADE
A sociedade nos diz o que devemos, ou não, fazer. Somos guiados por essa voz esperando sempre que ela não nos condene. Quando a mulher está grávida, a voz imaginária da sociedade fica ainda mais forte e ela passa a ser acometida por pensamentos como: “será que estou fazendo o bem para o meu filho?” “Será que estou comendo o que deveria para ele estar saudável?” “Será que estou fazendo o certo?” Mas certo perante quem? Perante os outros. Ao não saber o que é certo ou errado, acabamos nos preocupando demasiadamente com os outros e agindo de forma até um tanto paranoica para evitar que a voz da sociedade se levante contra nós. É muito importante aprendermos a flexibilizar essa cobrança que fazemos de nós mesmos. Somos rígidos demais e tendemos a achar que o que fazemos é “errado”.
AINDA SOMOS OS MESMOS E FAZEMOS COMO OS NOSSOS PAIS
É bom lembrar também que cada pessoa é única e terá uma vivência caracterizada por particularidades em relação à experiência de sentir-se mãe. É aí que a psicanálise pode ajudar e fazer diferença. Nós costumamos dizer que carregamos muito do nosso passado nas nossas atitudes de hoje. Dizemos também que, quando tivermos filhos, vamos tentar “fazer diferente” do que os nossos pais fizeram. Independentemente da nossa relação com eles ter sido melhor, ou nem tanto, o fato é que sempre carregaremos alguma mágoa e algumas dores decorrentes da nossa infância e juventude, que nos levarão a querermos pensar e agir diferente dos velhos em vários momentos. Entretanto, quando a mulher se vê mãe, acaba repetindo alguns dos hábitos, comportamentos e reações que sua própria mãe teve com ela quando pequena. Como alguns dos sentimentos da relação não foram 100% resolvidos, inconscientemente nós acabamos nos comportando com as nossas crias de forma igual, repetindo nossos pais. Mesmo que no nível consciente nós procuremos negar que tais sentimentos existam. O fato é que não os resolvemos. Por estarem mal resolvidas, as feridas permanecem abertas. Sem solução. E, claro, nos incomodando o tempo todo sem que possamos perceber. Acredite: isso também afeta e contribui para a culpa materna. Talvez valha a pena refletir consigo mesma: “o que estou fazendo hoje com os meus filhos?” “Será que não estou transferindo as dores do passado para hoje?” Com o auxílio da análise via psicanálise, é possível voltar aos sentimentos do passado, compreender melhor o que aconteceu e, principalmente, as consequências que isso me traz nos dias de hoje. Com isso, conseguimos viver melhor daqui para frente. Costumo dizer com os meus pacientes: “Não existe certo e errado, existe a forma que nós olhamos as coisas para sermos indivíduos melhores”. Nos quadrinhos da Mafalda ela fala do “Maldito Inquilino”, as vozes do seu inconsciente, que dizem o que ela pode, ou não, fazer. É claro que somos responsáveis pelas nossas atitudes, mas é importante perceber também o quanto agimos emocionalmente guiados pelas vozes do nosso inconsciente. A ideia deste texto é mostrar que todos nós temos um pouco de culpa que carregamos dentro de nós. Alguns mais, outros menos. Mas é importante refletir que esse “Maldito Inquilino” pode estar influenciando negativamente nas escolhas e consequências para a nossa vida. Estar em análise nos faz pensar de forma lúcida, entendendo melhor quem somos hoje.
Obrigado pelo bate papo e me coloco a disposição!
Emmanuel N. Miguel – Psicanalista
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