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O delírio de amor como motivação criminosa – sobre a erotomania
- 30 de novembro de 2016
- Postado por Dirce IPP
- Categoria: Artigos Publicações
A erotomania é conhecida como o delírio de amor, ou melhor, o delírio de ser amado. É a situação onde o sujeito constrói um delírio, acreditando que um outro realmente o ama. Geralmente, esse outro é de classe social mais elevada ou uma celebridade muito conhecida. Tal qual a mania de perseguição, a erotomania, se enquadra na clínica da paranoia, que tem a projeção seu mecanismo principal.
Na erotomania há um objeto idealizado constituído pelo sujeito internamente, que se projeta para o mundo externo e retorna desse lugar. Esse mecanismo, de projeção, acentuado na paranoia é o que sustenta a construção delirante e a crença inabalável daquilo que é projetado.
A apreensão da realidade acontece pela projeção, portanto não há a mesma percepção como de outras pessoas. O sujeito não percebe seu delírio. E, pelo contrário, pode buscar artifícios, cognitivos e discursivos, para comprovar, aos que duvidam de sua realidade, que aquilo que delira é na verdade um fato.
Na sua construção delirante, o erotômano acredita que a outra pessoa corresponde ao seu sentimento de amor, muitas vezes até acreditando que o outro o ama demais (o persegue). Acredita que gestos, frases e comportamentos são declarações de amor.
O termo, erotomania, foi cunhado por Clérambault, que nos apresenta três fases em seu desenvolvimento. A primeira, é do orgulho, quando o sujeito tem convicção de que está sendo amado. A segunda, é do despeito, quando o sujeito mistura sentimento de um ‘orgulho ferido’ com a possibilidade de conciliação e a vontade de vingança. E a terceira fase, é a de reinvindicação, quando o sujeito passa a ter ódio do objeto de seu delírio.
O sujeito que mata na erotomania, é o sujeito que chegou na fase de ódio do objeto. Quando ele acredita que o objeto idealizado o destruiu, acabou com sua vida. Neste momento, a única saída para ele é a eliminação do objeto – e consequentemente a sua. Ele não consegue deslocar para outro objeto e acredita que precisa exterminar a pessoa encarnada como objeto delirante
A erotomania é diferente da paixão platônica, pois essa última não apresenta delírio. Aquele que sofre de paixão platônica consegue perceber suas fantasias diante de um outro que não corresponde, ainda que com muito ou depois de muito sofrimento. Nisso, conforme sua fantasia é desconstruída, ele tem a possibilidade de deslocar seu amor.
O erotômano está sempre na certeza, na crença inabalável. Ele não se questiona. Ele não tem dúvida. Quando surge uma pequena percepção de não correspondência do outro, o que muda é seu delírio, de “ele me ama” para “ele me enganou”, “ele me destruiu”. A diferença está que o neurótico (da paixão platônica) usa a fantasia para lidar com certas durezas da realidade, enquanto que, para o paranoico, sua fantasia é a própria realidade – delírio.
O mundo hoje, da virtualidade, aproxima fantasias e realidades – para neuróticos e psicóticos. Pelo virtual podemos parecer o que não somos, podemos nos aproximar de quem não está perto e ter amizade com quem não conhecemos. Assim, facilmente, podemos confundir e fundir o real e o virtual. Pela virtualidade, fugimos de uma realidade sofrida e construímos um mundo onde tudo é possível.
O mundo virtual é um terreno fértil para construção de fantasias delirantes, tanto no sentido de ser perseguido, como no sentido de ser amado. Algumas poucas palavras de uma pessoa, já idealizada como objeto de amor ou ódio, pode alimentar um delírio e fazê-lo ser conduzido a uma ação.
De certo, a paranoia – da erotomania ou da perseguição – não surge do nada. O sujeito sempre dá indícios de sua construção subjetiva. Na maioria das vezes, o sujeito é considerado esquisito, ou uma pessoa que implica com detalhes, ou aquele que não sabe brincar, ou como um cara que imagina demais, ou como um mentiroso que acredita nas próprias mentiras, ou aquele que fica divagando.
Não estamos acostumados a prestar atenção nas pessoas. Nem a perceber os rastros emocionais, comportamentais e de pensamentos que as pessoas deixam. Menos ainda preparados para lidar com situações limítrofes. Por outro lado, também não podemos considerar qualquer fantasia um aviso de destruição do ser ou de outros. Mas sabemos que nossa sociedade, com a supervalorização do individualismo e da virtualidade, nos ajuda nessa cegueira com relação aos outros, nos ajuda a não nos aproximarmos demais e a não querer saber do outro.
A erotomania é a expressão subjetiva de um sujeito. É a forma que ele encontra de lidar com suas fantasias e seus conflitos. E não é, simplesmente, uma característica de desmantelamento ou aniquilamento do sujeito. Ou seja, não necessariamente, esse paranoico destruirá seu objeto do delírio ou a si mesmo e se tornará um criminoso.
As subjetividades estão por aí. Consideradas “normais” ou não, elas são a expressão do sujeito em sociedade. A forma como lida com aquilo que é seu. Mas não são, em si só, a justificativa do comportamento criminoso.